Família, comportamento e aprendizagem em pleno século XXI: o que os pais de hoje em dia andam fazendo?
Em tempos de grande cobrança escolar e
inúmeros estudos sobre alterações de comportamento ( como o TDAH) e transtornos
de aprendizagem ( como a dislexia e a discalculia), o diagnóstico que mais vemos
na prática clínica é o de dificuldade de aprendizagem. As famílias e escolas
querem sempre o caminho mais fácil: um exame, um remédio - "fraco" ou "natural",
de preferência e, pronto, resolvido o problema.
Contudo, muito mais
importante que isso, é uma reflexão que as famílias se recusam a fazer: qual o
seu papel na formação cognitiva, comportamento e aprendizagem das crianças? Por
que seu filho é agressivo? Ou agitado? Desobediente? Não pára? Não aprende? Por
que diabos a escola te chama tanto para reclamar dele? Já adianto que as
crianças seguem exemplos, e as motivações são reflexo do meio social - e
familiar em que vivem.
Os valores do ambiente familiar refletem-se nas
motivações, na personalidade e nas atitudes das crianças. Em resumo: algumas
crianças são capazes de inibir a agressividade, visto que aprenderam em casa que
a agressão conduz ao castigo. Outras, no entanto, são encorajadas a expressar
sentimentos agressivos e, conseqüentemente são mais inclinadas às brigas, birras
e desafios quando contrariadas. Além disso: crianças que apanham, aprendem a
resolver suas frustrações batendo. Criança que não é corrigida com firmeza e sem
agressividade quando agride, aprende que isto é aceitável em seus momentos de
contrariedade (por que seu filho bate nas outras pessoas, então?)
As diferenças de estimulos e motivação de realização dadas dentro de casa também
influenciam o comportamento das crianças. Pais que, em geral, valorizam a
capacidade de realização de seus filhos, recompensando-os com freqüência, formam
crianças interessadas em estudar. Os que não valorizam o esforço e capacidade de
realização dos filhos, porém, formam crianças mais propensas às dificuldades no
estudo, que consideram a escola chata, e com grande probabilidade de se
converterem em "problemas escolares".
Contudo, um alerta:
recompensar a criança e presenteá-la são coisas bastante diferentes. Comumente
vemos crianças com dificuldades escolares, comportamento inadequado ou
agressivas recebendo inúmeros presentes dos pais - que, as vezes, o fazem com
grandes dificuldades. Saber o momento de presentear uma criança é papel de quem
quer formar um cidadão. Independentemente da idade de seu filho!
A
diferença na fala e no vocabulário, já nos pré-escolares também exerce forte
impacto na aprendizagem escolar da criança. Meninos que possuem melhor
vocabulário, articulam com maior perfeição, falam corretamente e constroem
frases mais elaboradas tem rendimento escolar superior aos outros, no futuro.
Neste contexto, o aumento de estímulo ambiente de uma criança antes dos 5 anos
de idade pode levá-la a intensificar seu interesse pela linguagem e a melhorar
sua expressão verbal. Isso é muito importante uma vez que a aprendizagem
complexa e a formação de conceitos depende muito da linguagem. Cabe, porém, um
alerta: ambientes familiares superprotetores também podem privar a criança de um
desenvolvimento autônomo, reforçando, por exemplo, uma fala infantilizada.
Dentre os inúmeros fatores que interferem no processo de
ensino-aprendizagem e que prejudicam as crianças, muitas vezes severamente, o
principal costuma ser a ineficiente educação familiar. Os pais, de forma
deliberada ou inconscientemente, serão os responsáveis por permitir ou obstruir
o processo de construção da individualidade de seus filhos. E precisam criar um
ambiente familiar que satisfaça as necessidades básicas de afeto, apego,
desapego, segurança, disciplina, aprendizagem e comunicação, pois é nele que se
estrutura a mais importante forma de aprendizagem: a capacidade de aprender a se
relacionar com o outro.
Por trás de grande parte dos distúrbios de
aprendizagem ou de inadaptação da criança à escola, esconde-se algum tipo de
tensão emocional cuja origem encontra-se no universo familiar. Não é possível
compreender a criança separada de seu lar; ela só pode obter maturidade
emocional e aprender quando os adultos com os quais ela convive são
emocionalmente maduros.
Ressalta-se, finalmente, a influência do
fator emocional sobre a aprendizagem das crianças. De nada adianta ter um
alto desenvolvimento cognitivo se não se tem controle sobre suas emoções. O
autoconceito, moldado durante o convívio familiar, também é fundamental: quem se
julga capaz de aprender, aprende bem mais e melhor do que quem se julga incapaz
para tal.
Em suma, se os pais soubessem o poder e a força de seus
atos em casa e do contato com seus filhos, a importância de estimular
precocemente as crianças e de se ter relações saudáveis em família, as
dificuldades de aprendizagem seriam bem menos frequentes...
Fonte:
Neuropediatria em Foco - Dr. Luís Felipe Siqueira